“Sombreiros”, de Iara Abreu, da série “Cidade, geometria e cores”
Exposta na Templuz
Iara Abreu é uma ativista pelas artes que integra o Instituto Imersão Latina, licenciada em desenho, plástica e educação artística, pela antiga FUMA, atual UEMG. Seu trabalho é muito coletivo, mesclando artes visuais com poesia. Está sempre garimpando em eventos culturais, apoiando outros artistas. Tem um flerte forte com a poesia e é difícil um poeta de Belo Horizonte que não a conheça. O seu projeto Aspectos Urbanos que começou em Belo Horizonte hoje tem poemas ilustrados por ela. Em entrevista para a jornalista Brenda Marques Pena, fundadora do Instituto Imersão Latina a artista conta um pouco da sua trajetória.
"Sempre tive a arte como meu propósito de vida. Seja no desenho, na aquarela, na pintura ou criando algum objeto, tenho por temática a cidade, a urbe. Faço uma narrativa visual urbana, extraída da minha própria vivência, referenciada no visual das metrópoles com seus elementos arquitetônicos, sua geometria, suas cores; seus automóveis, seus passantes, as filas de ônibus; a efervescência das ruas, das praças e dos movimentos sociais; o seu colorido às vezes sufocante; suas dificuldades, mas também as possibilidades que as grandes cidades nos oferecem."
Iara Abreu - artista plástica
A origem do projeto Aspectos Urbanos e seus desdobramentos
O projeto Aspectos Urbanos teve início com a exposição “Cenas Urbanas” em 2005, que aconteceu no Centro Cultural de Contagem. A exposição foi “ilustrada” e enriquecida com trechos do livro “Cidade Invisíveis de Ítalo Calvino, como sempre foi prática em minhas exposições, colocar um pensamento, ou um texto com os quais eu tinha sintonia e dialogavam com a minha proposta e os meus pensamentos. Em 2007 participei do edital da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, e a minha proposta foi selecionada para exposição em 2008 e então aconteceu a exposição na galeria. Como eu participava de alguns saraus e encontros poéticos, convidei alguns amigos poetas para participarem da seguinte maneira: eles dialogariam um poema com as minhas pinturas e objetos da exposição e eu ilustraria os poemas deles a nanquim. Eles não só gostaram da ideia como também indicaram outros poetas e aí esta exposição contou com a participação de 36 poetas e cinquenta e cinco poemas ilustrados em diálogo com a temática da exposição, que passou a ser titulada de “Aspectos Urbanos”. A partir desta exposição, convites foram surgindo para mostra, bem como também em parceria com outros projetos. A exposição esteve na PUC-Coração Eucarístico, na Biblioteca Infanto-juvenil, em regionais da Prefeitura de Belo Horizonte; esteve em shopping, em galerias, em centros culturais e esteve também em outras cidades como Ouro Preto, no Museu Casa dos Contos e em Mariana, no SESI/Fiemg. Em parceria participou de Ação Global em conjunto e a convite do Instituto Imersão Latina, e em outras parcerias. Nunca imaginei que a exposição se tornaria um projeto contínuo, como aconteceu. Em 2020 o projeto fará 15 anos de atividades e atualmente conta com a participação de mais de cem poetas e mais de duzentos poemas ilustrados, e a cada mostra, além do painel de 11 metros que acompanha o projeto, são apresentados outros objetos outras telas outros poetas e novos poemas ilustrados, gentilmente cedidos pelos autores.
A história com o Instituto Imersão Latina
Foi através da poesia e dos nossos encontros poéticos no Palácio da Artes, onde conheci a Brenda Marques Pena. Mais ou menos nessa época estávamos nós e outros grupos lançando os nossos projetos e foi quando o Imersão lançou o primeiro livro da série Nós da Poesia. Fui convidada para compor a capa, desse primeiro volume e para o qual, em reunião no café do Palácio das Artes, sugeri que fizesse uma série com a mesma linguagem de capa e não volumes com capas aleatórias. Assim criaria melhor uma história antológica. A partir daí fiquei com essa tarefa de criar as capas o que faço com prazer e também publico em cada volume alguns dos poemas do projeto Aspectos Urbanos. Então surgiu a série, já nos sexto volume e todas as criações criações das capas são poemas visuais, que dialogam com uma ideia de conteúdo e intenção de cada volume em relação aos poemas a serem publicados. Assim começou a história com o Imersão Latina. Participei também com o projeto Aspectos Urbanos de algumas ações do IMEL a convite da Brenda, como a Ação Global que aconteceu em 2013 e outros.
Arte como resistência
Dias que o País parou, inspirado nos manifestos de 2013 |
Acho que resistir, informar, convidar à uma reflexão são papéis da arte. Sempre digo a alguém: Você quer conhecer a história do mundo? Comece lendo e vendo sobre a história das artes. Elas são uma narrativa do tempo. Tudo está ali. A política, a religião, a cultura e os acontecimentos de todos os tempos. Quando em 2013 pintei a tela “ Manifesto ”, fiz minha narrativa visual baseada nos registros fotográficos que fiz nas ruas no movimento popular de mesma data, manifesto este que, depois de grande período de silêncio popular, aconteceu e deu origem a essa crise política do país, à qual estamos passando. Registrei as reivindicações, os cartazes, dos quais selecionei alguns e literalmente os coloquei na tela; quando produzi o desenho "Rio Doce em 2015", estava registrando a tragédia do rompimento da Barragem de Fundão em Mariana e que hoje ilustra-se também o rompimento da Barragem de Córrego do Feijão em Brumadinho,MG; quando Picasso pintou Guernica em 1937 ele relatou visualmente a Guerra Civil Espanhola (1936-1939); A obra “O Grito” de Edvard Munch, foi a obra mais importante do ano de 1893, retrata o desespero e angústia do ser; As bailarinas de Degas contam a história da dança clássica, do teatro, do palco; a “Santa Ceia” de Leonardo e de centenas de outros artistas que pintaram esse tema, representam a última ceia de Cristo; e assim outros infinitos exemplos e referências.
Rio Doce em 2015 - Rompimento Barragem Mariana |
Você já fez projetos por leis de incentivo, fundos ou outras formas de fomento? Considera que o investir em cultura seja papel do Estado?
Eu já tive projeto aprovado na lei estadual de Incentivo em 2013, mas nessa época começou a crise política do país e eu não consegui captar recurso. Também já encaminhei outros projetos para o fundo municipal por duas vezes e não fui contempladas. O que foi lamentável pois os projetos são coletivos e contam com a participação de vários poetas, vários artistas e mesmos assim não foi aceito. Investir em cultura deveria ser lei efetiva do município, do estado e do governo federal pois, além de ser importante na formação de todo indivíduo, também gera empregos direto ou indiretamente, faz circular a moeda de uma maneira ampla, descentralizada, construtiva e positiva.
Desde quando tem seu próprio ateliê? Como comercializa e divulga o seu trabalho?
Meu ateliê existe a mais ou menos vinte anos. É o meu espaço de criação e trabalho. Comercializo minhas obras para conhecidos e também em algumas galerias e exposição que são um contato com possibilidade de venda. E, a mais ou menos dez anos tenho dois blogs: iaraabreu.blogspot.com, com as postagens das exposições, atividades culturais e principalmente dos Aspectos Urbanos com imagens e os poemas ilustrados; iluarti.blogspot.com que funciona como galeria e apresentação do meu trabalho.
Você faz muitas experimentações em seu processo criativo?
Sempre. Pesquiso materiais, suportes e tudo que me propicia materializar e registrar visualmente uma ideia, um pensamento, um sentimento
Quais os maiores desafios para um artista independente no Brasil hoje?
Na realidade não somos nem artistas e nem poetas independentes. Uma vez que o nosso trabalho seja individual e solitário, não temos como compartilhar uma criação, somos dependentes de tudo: dependentes de patrocínio, dependentes de oportunidades, de equipamentos públicos para a nossa manifestação artístico cultural; dependentes de imprensa e jornalistas que divulguem nosso trabalho e etc. E com essa crise política e esse governo que parece desejar abolir a cultura e a arte da nossa vida, da educação e da sociedade, ficamos em dificuldades. Temos que nos reinventar. Precisamos criar alternativas. Também estamos na era do imediatismo, do excesso, da rapidez com que as informações nos alcançam. Se o artista dito “independente” não acompanhar essa evolução ou revolução tecnológica, essa mídia imediata, terá mais dificuldades de se colocar e ter voz por meio de sua obra. Não é fácil...
Considera o trabalho em rede importante?
Importantíssimo. As redes são muito importantes para intercâmbio cultural. Não podemos fugir às novas tecnologias, pois as redes nos propiciam ampliar o nosso campo de atuação, fazer novos contatos, divulgar o nosso trabalho, fazer intercâmbios culturais e saber o que acontece no mundo. Através de rede social tive a oportunidade, por exemplo, de participar de exposições culturais fora do país e ter imagem de obra minha publicada em capa de livro na Guatemala, livro esse aborda o tema “teatro” de autoria de Enrique Godoy Durán. E se estamos na era da comunicação imediata, da rapidez com que as informações nos alcançam, temos que acompanhar esse processo, essa revolução tecnológica, senão ficaremos isolados e sem visibilidade.
Como é sua relação com outros artistas e poetas da América Latina?
Através da poesia tive a oportunidade de conhecer outros poetas latino-americanos em evento poético em Belo Horizonte como o Abrace e através das redes também dialogo com outros artistas e poetas em outras regiões e países o que nos enriquece muito e amplia nossos horizontes.
Capas Série de livros Nós da Poesia, produzidos pelo Instituto Imersão Latina |
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