TRABALHADORAS DA CULTURA: IZABEL GADELHA E A HISTÓRIA DA CABANAGEM

Acará é um local ícone da Cabanagem, onde a economia e organização política mostra a resistência e à cultura negra como primordial, preservando uma história centenária 

A segunda entrevista do nosso especial de Trabalhadores da Cultura é com a Izabel Gadelha, historiadora e escritora de livros sobre a Cabanagem. A maior insurreição popular da história do Brasil deixou cerca de 30 mil mortos: mestiços, negros e índios que se revoltaram e tomaram o poder, em janeiro de 1835. E a cabanagem como insurreição pode ter acabado, mas não o movimento e há uma cidade e um povo que a partir daí seguem esta história de poder popular.  O primeiro despertar de Izabel Gadelha para a importância do movimento cabano se deu após uma atividade realizada pelo Instituto Imersão Latina (Imel), durante o Fórum Social Mundial, em Belém, Pará. Participaram pelo Imel Brenda Marques, Nelson Pombo Junior, Avelin Buniacá e Aline Cântia. Em entrevista concedida à jornalista Brenda Marques, do Imersão Latina, Izabel conta um pouco de como se deu essas andanças culturais ao longo desta década, desde o despertar dessa vontade de investigar a fundo sobre a cabanagem e passar para futuras gerações.

O DESPERTAR DO INTERESSE PELA CABANAGEM

Izabel e sua filha
Há dez anos você participou de uma atividade proposta pelo Imersão Latina sobre a Cabanagem no Fórum Social Mundial, realizado em 2009 em Belém, Pará. Como foi esta experiência?

A Izabel Pereira de 2009 era uma jovem graduanda do curso de bacharelado e licenciatura em História na Universidade Federal do Pará no Campus de Cametá, Pará. Hoje, sou Izabel Gadelha, casada, mãe de Maria Eduarda e pesquisadora da História do Acará na prefeitura municipal, a partir de um projeto de minha autoria cujas primeiras linhas escrevi também em 2009. O projeto em linhas gerais pretende criar políticas de memória no Município de Acará, escrever, promover e publicar a História do Acará dentro e fora do município sempre com ênfase na relevante atuação dos acaraenses na cabanagem.

Meus primeiros contatos com a cabanagem foram extremamente relevantes para que eu me lançasse nesse universo ainda hoje tão carente de pesquisas. A Cabanagem do interior paraense, que sustentou a revolução por 5 anos, após a explosão de 7 de janeiro de 1835, ainda está sendo escrita dizia a professora Magda Ricci lá em 2009, quando me orientava na escrita do meu primeiro texto acerca da Cabanagem, que agora vai virar livro, inclusive prefaciado pela referida estudiosa. Esse texto mostra as faces e os passos do Acará Cabano. Resultado dos relatos dos bravos acarenses que ouvia na minha família, especialmente de meu primo Bené Passos, bem como a fala do Octávio Rangel, meu professor nos primeiros semestres da faculdade, que sem eu saber também escreveu sobre a cabanagem, mas, tinha uma ideia oposta aquela aprendida na minha família no Acará. Esse desacordo concernente a cabanagem me moveram a conhecer mais sobre ela. E, de lá pra cá as coisas foram acontecendo. 
Acima banner de divulgação e abaixo fotos das atividades
do Imersão Latina no FSM 2009, em Belém 



Em 2009 fui convidada por uma amiga, Carla Kyse, casada com meu ex-professor Octávio Rangel, um grande historiador e estudioso também da história da Amazônia que, por isso mesmo foi convidado para participar de um Fórum Social Mundial com uma palestra da Cabanagem. Na hora, ele disse que não apenas iria, mas levaria sua hóspede "profunda conhecedora do tema "para fazer a palestra e nem me deu opção de dizer não. Foi então que conheci o Imersão Latina que foi o promotor da palestra. Portanto, foi no Imersão Latina em 2009, ainda terminando a graduação que fiz minha primeira palestra acerca da Cabanagem. Me senti confortável apesar da pouca experiência, porque não estava sozinha. No dia seguinte algo bem curioso aconteceu, fui assistir uma palestra sobre cabanagem, mas o profissional que faria a palestra faltou. E, algumas pessoas que assistiram nossa palestra no dia anterior me reconheceram e me pediram para fazer a palestra já que o professor havia faltado. As pessoas que estavam lá eram de nacionalidades diversas e pensavam que eu era já era professora...enfim, fiz outra palestra. Foi tudo muito enriquecedor! Posso dizer que a melhor forma de começar é estrear no Imersão.



A CONTINUIDADE DE UMA HISTÓRIA DE RESISTÊNCIA

Muitos livros de história colocam a Cabanagem em um momento histórico de resistência popular no período colonial, mas o movimento Cabano continua, certo?

Apesar de sabermos da Cabanagem como uma revolução cuja datação oficial está assentada de 7 de janeiro de 1835 a 22 de agosto de 1840 ou seja, em pleno período colonial brasileiro, um Brasil escravocrata...enfim, as raízes dessa grandiosa revolução paraense ainda alimenta frutos que estão na superfície de nossa sociedade à medida que a sociedade paraense, os homens e mulheres no Pará hoje são ainda gente que defende e luta por seus direitos e suas liberdades. As comunidades remanescentes de quilombos são um bom exemplo, além das tribos indígenas, os sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, por exemplo, o MST que não nasceu no Pará, mas aqui ganhou força, as universidades públicas com currículos específicos para demandas encontradas apenas na região amazônica...enfim, filhas de ribeirinhos como eu que hoje pesquisam e escrevem a História da Amazônia com vistas a serem publicadas Tudo isso é revolução! Tudo isso é cabanagem ainda.

Os cabanos foram convidados a entregar suas armas bélicas, mas o maior armamento dos cabanos, aquilo, que garantia o seu sucesso na quase totalidade dos confrontos com as forças do governo à época, era a comunicação, era o conhecimento da nossa região, dos nossos rios e matas, a valorização da nossa história, da nossa identidade amazônica. Isso porque a Cabanagem não foi um movimento com um objetivo específico porque seus agentes eram diversos e por conseguinte seus objetivos também. Por isso mesmo é complexa, não se compreende numa leitura apressada, isolada.
Explode em 1835 mas em 1755 já temos no Itapicuru, igarapé do Acará, um levante de negros contra os desmandos do governo provincial à época. Em 1820 temos Felipe Patroni recém-chegado da Europa com ideias liberais que iam de encontro ao despotismo do presidente da província. Uma revolução cujo maior influenciador, Batista Campos, morre um dia antes de sua eclosão. Enfim, o fato de serem eles acaraenses, o fato de ser o Acará o lugar usado como quartel general dos cabanos, tudo isso coloca o Acará como peça essencial para a ocorrência e o sucesso da cabanagem como sendo a maior revolução popular da Amazônia.
Essa é a minha tese, que venho defendendo. A região do Acará, os acaraenses, pretos, brancos, índios, pardos, uns fazendeiros, outros amocambados temos seguramente muita história da cabanagem para estudar, registrar e publicar.

Painel instalado na Praça da Cultura, no centro de Cametá, no Pará. Foto: Thiago Gomes

LIVROS E PALESTRAS

Como se deu o despertar para a escrita? Quais os livros que você tem escrito e onde irá lançar? A cartilha para crianças sobre a Cabanagem circulará em escolas ou você tem encontrado barreiras pra divulgação? 

Meu primeiro texto acerca da cabanagem é exatamente o meu primeiro livro: "Acará: faces e passos na Cababagem (1755_1840)". Um segundo texto que também tenho revisitado após publicação, em parte pela UFPA, em Cametá, na forma de artigo, em coletânea com temas diversos escolhidos pela própria universidade "A História do ensino da Cabanagem nas escolas e universidades públicas e privadas de Cametá: verso e reverso". E um novo momento desse trabalho que tenho me ocupado para publicar é uma escrita da Cabanagem para crianças. Essa história é baseada em fatos reais. Estou misturando ficção com realidade e acredito que terá uma boa aceitação. A Editora que escolhi para realizar minhas publicações é a renomada Editora Paka-Tatu.


ACARÁ: REFÚGIO DOS CABANOS

Além do ativismo político dos acaraenses, há outros aspectos importantes para Acará ter se tornado refúgio para os Cabanos? 

A geografia do Acará é muito estratégica. A cidade é assentada dentro de um Vale. E, em tempos de embarcações à vela, o lugar foi a composição perfeita para que fosse  o lugar de reuniões e refúgio dos Cabanos. Os Acaraenses conheciam muito bem sua Amazônia, havia um sucesso extraordinário na comunicação, à medida que sabiam de tudo de modo antecipado, nunca eram apanhados de surpresa, nunca perderam um confronto com as forças do Governo. E, a fonte que nos assegura esses fatos são cartas do próprio presidente da província. Ou seja, é a mais honesta e imparcial opinião acerca da ação cabana, porque parte dos seus inimigos, que já fartos de lutar asseveram "...em tôda parte tem  miseráveis, mas astutos satélites..."(Raiol,1865_68)

Na verdade, esse relato mostrado na obra de Domingos Antonio Raiol, o grande clássico para esse estudo, me deu condições de afirmar isso. O porquê o Acará foi o local escolhido pelos cabanos para reunir e orquestrar todos os passos para a tomada do governo despótico e violento em prol de suas liberdades. O fato de ser uma região rica à época, o fato de serem seus principais líderes acaraenses ou saídos dessa região, a saber: Batista Campos, Francisco Vinagre e seus quatro irmãos: Eduardo Angelim, Malcher e Preto Félix. Esse Preto Félix chegou a liderar 200 negros ao lado das forças cabanas de Angelim, por exemplo, isso sem contar os índios que seguramente foram ativos também nesse contexto. Um fato relevante que destaco é exatamente o abrigo dado nas cabeceiras do rio pequeno, região do Acará ao último presidente Cabano: Eduardo Angelim, que só foi encontrado após delação e não por mérito das forças armadas do governo arbitrário.

A Cabanagem, segundo Magda Ricci alçou voos internacionais em toda a Amazônia e até fora dela houve forças cabanas. Eu mostro um pouco o detalhamento disso no meu livro que será lançado no segundo semestre "Acará: faces e passos na Cabanagem 1755_1840). Mas,o fato de ter sido entendida em princípio, a Cabanagem como "motins políticos","movimento de gente ignorante","sem educação","selvagens". Enfim, esse em linhas gerais foi o modo como os primeiros escritos pós Cabanagem a apresentaram. Logo,o Acará como quartel general e os acaraenses como líderes, nesse primeiro momento foram relegados ao esquecimento ou duramente criticados. Daí acredito que explicamos o número ainda escasso dessa História acaraense, cujos paraenses devem se orgulhar, festejar e divulgar. Uma história muito inspiradora. E temos apenas duas grandes historiadoras que até aqui se ocuparam desse nosso Acará Cabano: Rosa Elisabeth Azevedo Marim e Ana Renata do Rosário de Lima. Suas obras me inspiraram a fazer mais mesmo com todas as limitações que tenho.

Portanto, deixo aqui o meu convite para que todos possam visitar essa História do Acará e se encantar pela Cabanagem do interior do Pará. Sua comunicação, sua região e seus filhos, gente educada humilde e com o sangue da luta vencida pelas liberdades de ser e se fazer respeitar como paraenses.
Viva Cabanagem,Viva o Acará# Tudo é história!


Comentários

  1. Um carinho grato ao Imersão Latina e um abraço terno em você Brenda.E,obrigada por nos ajudar de modo tão profissional e cuidadoso divulgar a História da Maior Revolução Popular da Amazônia e é claro o Meu Acará cuja participação é um orgulho para mim e deve ser para todos nós que lutamos ainda hoje pelo respeito,pela valorização de sua história#Tudoéhistória#imersãolatina

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    1. Nós que agradecemos a vocês do Pará por manterem esta história de resistência viva e continuarem lutando pelo poder popular. Obrigada também pela entrevista Izabel Gadelha. Compartilhe!

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